Propinocracia e Golpe


O assombroso espetáculo proporcionado na última quarta-feira (14) pelos procuradores da república responsáveis pela operação Lava Jato, transmitida, ao vivo, em majestosa coletiva de imprensa, que teve como objetivo principal imputar ao ex presidente Lula a pecha de chefe-mor de todo esquema de corrupção existente no país, a partir da Petrobrás, via financiamento de partidos políticos, pagamento de subornos, favorecimento de pessoas, etc, etc, a chamada propinocracia (sic), fracassou por inteiro quando o ignóbil representante ministerial assumiu não ter provas do que alegava, mas tão-somente convicção. Gráficos e mais gráficos, uso e abuso de data show, muita retórica, tudo apresentado em vão, sem servir para nada, a não ser buscar manipular a opinião pública e alimentar os veículos de comunicação tradicionais do país, ávidos por divulgar um furo especulativo no noticiário noturno ou uma forçosa primeira página de jornal no dia seguinte, com a expressão do ex presidente em agonia.

É inadmissível que, sob a égide do sistema normativo constitucional de 1988, sobretudo no âmbito do direito penal, que tem na máxima da presunção de inocência a origem do benefício da dúvida ao réu, algum ator jurídico ouse imputar formal ou informalmente a macula de criminoso a alguém, com base em convicção pessoal e, não, em provas. O que aconteceu naquela fatídica tarde foi um desacato completo às prerrogativas fundamentais da pessoa humana Lula, e, em termos gerais, aos cânones constitucionais fundamentais.

Mais grave é que não foi uma ação empreendida por um iniciante, um rábula qualquer, do Direito, mas por um conjunto de procuradores da república, que, anos a fio, vinham (vêm) investigando a vida do ex presidente, de seus familiares, de pessoas próximas e distantes, de empresas, através de cruzamento de informações contábeis, operações financeiras, interceptações telefônicas, bisbilhotando-se até transações em aquisição de “pedalinho”. Não se tratou de um episódio de inexperiência profissional, porém, de dolo pensado, calculado, que merece o mais firme e imediato reproche, seguido das competentes sanções administrativas e penais, da parte das instituições competentes, a iniciar pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

O que se fez na última quarta com o ex presidente Lula foi o mais completo absurdo, mas o que torna o cenário ainda mais grave é o fato de que não anda em curso apenas uma operação para prender o ex mandatário nacional, por mais que ele seja o alvo físico principal do estratagema. O Brasil está imerso numa situação de golpe parlamentar-judicial-midiático, e setores do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, e do Judiciário Federal estão no epicentro desta nova modalidade de golpe de Estado, golpe institucional de Estado, já posto em prática em outras nações latino-americanas.

Diante do que vem acontecendo, é possível claramente deduzir que a operação Lava Jato caminha lado a lado ao golpe, turbinando-o, e, neste sentido, há vários escopos sendo perseguidos nesta ampla articulação, em que a corrupção, definitivamente, está longe de ser o maior. O primeiro dos objetivos é, indiscutivelmente, prender o ex presidente Lula e depois torná-lo inelegível, para evitar-lhe um eventual retorno à presidência da República, provavelmente carregado nos braços do povo, após vitorioso sucesso eleitoral.

Abre-se um justo parágrafo aqui para lembrar aquilo que tantos adversários do ex presidente Lula não aceitam: o fato dele ser um político, uma pessoa amada no Brasil, por haver conseguido, dentre outros extraordinários feitos de sua gestão, retirar da extrema miséria, comprovadamente, mais de 30 milhões de conterrâneos, distribuindo dignidade a outros milhões de cidadãos e cidadãs das classes A, B e C, sendo semelhantemente respeitado e admirado no exterior, por haver alavancado a economia brasileira e impulsionado, como poucas vezes visto na história (talvez só com Rio Branco e Rui Barbosa, mas em outra linha) o protagonismo internacional do Brasil, através de uma diplomacia ativa e altiva, que se dedicou intensivamente aos esforços de paz e à promoção de uma política social justa, em todos os continentes. Só por tais fatos mereciam ser expurgados da cena pública nacional esses personagens sórdidos, como os da última quarta, moralmente medíocres e intelectualmente repugnantes, que se dedicam, diuturnamente, a vender suas consciências e a maquinar estratégias maquiavélicas e cabalistas, com o propósito de deturpar, e, sobretudo, manchar, uma das biografias mais belas já vistas neste país e em todo planeta.

Mas a Lava Jato não se resume à tentativa de aniquilar o ex presidente Lula. Seu segundo objetivo é aproveitar e destruir, de vez, o Partido dos Trabalhadores e toda a esquerda, a partir da destituição da presidenta Dilma do legítimo cargo, mediante traição espúria e pactos abjetos tramados nos corredores sombrios dos Três Poderes, para, recompondo as matrizes neoliberais da era FHC, retroceder nas conquistas sociais, trabalhistas e de direitos humanos, agregadas ao patrimônio jurídico da classe trabalhadora e dos setores vulneráveis da sociedade, ao largo de muitos anos e após muita luta.

O terceiro objetivo da grande operação, diante da tomada, à fórceps, do poder e uma vez sacramentada a verve neoliberal do novo (des)governo, eis que se põe em prática o mais antipatriótico de todos os fins do golpe, que é a entrega da soberania do país, através da venda do pré-sal, das estatais que restam, enfim, do patrimônio nacional, em benefício do mercado financeiro de Wall Street e do predatório império norte-americano. Este nefasto projeto, por sinal, está a pleno vapor: de um lado, da cadeira usurpada do Palácio do Planalto, com o fiel beneplácito do parlamento, encaminha-se a venda dos bens do país; de outro, o aloprado chanceler ignora as credenciais apaziguadoras do Brasil, explode a unidade sul-latino-americana, e muito em breve porá em xeque o sentido da participação do país nos BRICS, já que sua sina histórica é o alinhamento total às determinações de Washington.

Em resumo, a horrenda performance do MPF, que seguramente envergonhou pessoas de bem de dentro daquela própria instituição fundamental da República, teve como alvo o ex presidente Lula, mas a estratégia de toda a cadeia de conspirações e maldades está longe de circunscrever-se à sua órbita pessoal. Trata-se de um golpe imposto contra a democracia brasileira, contra o Brasil, e, um a um, contra todos os brasileiros e brasileiras que se enquadram no perfil de trabalhadores ou vulneráveis, de qualquer natureza, no país.

A propósito, havendo-se descortinado o desprezível espetáculo ministerial em pleno período eleitoral, mais precisamente, a três semanas das eleições deste ano, não há como não se imaginar que outro interesse dos bisonhos personagens do MPF não tenha sido influenciar nos resultados de outubro, dentro da linha antidemocrática, sádica, por que não dizer, quase neurótica, de apagar o PT e os partidos de esquerda do mapa eleitoral brasileiro.

Por fim, à guisa de especulação, não custa lembrar que a extravagante coletiva ministerial aconteceu menos de 48h após a cassação do mandado do ex presidente do legislativo federal, internacionalmente famoso por operar transferência de divisas patrimoniais à margem da lei. Por que os “bons moços” do Ministério Público não se ocuparam (se ocupam) de buscar prender-lhe? Ali provas não faltam, sobram. Que o futuro não demonstre que outro objetivo daquele excêntrico show de informática tenha sido afastar o outrora “herói do golpe” dos holofotes da mídia.

 

 

(*) Artigo publicado em:

16/9/2016: Revista Instigada